Entrevista 65 - Marcelo Nova - (PORTAL MOFO)
65 - Marcelo Nova
Desde criança sempre sonhei em poder ao menos uma vez ver alguns músicos que fizeram minha cabeça. Para um garoto do interior chegar perto já seria o máximo. Um autógrafo e uma fotografia, era a materialização de um sonho. Aos 13 anos realizei parcialmente este sonho ao tirar uma fotografia com o imortal zagueiro do Palmeiras, Luís Pereira, em uma partida que o Verdão aplicou 3 a 0 no Comercial, lá em Ribeirão Preto. E o legal de ter virado jornalista é que conheci muito desses personagens que habitavam meu imaginário. E confesso que me decepcionei com vários deles, me simpatizei com outros que não curtia e alguns corresponderam totalmente minha expectativa idealizada. Marcelo Nova encaixa neste último caso.
Já havia esbarrado com o homem uma meia dúzia de vezes nas galerias de São Paulo, mas só fiquei mais próximo da lenda quando era balconista da extinta e saudosa Sweet Jane. Marcelo é uma piada. Deu apelido para todo mundo de lá (o meu eu não revelo nem sob tortura), mexia com os clientes e quando alguém pedia Belle & Sebastian, podia esperar uma gozação com o coitado que estivesse adquirindo um cd “dessa banda assexuada”. Ele é assim mesmo, sem papas na língua e de um humor corrosivo. Resolvi ligar então para pedir uma entrevista. Marcamos o dia e liguei pontualmente. Quase não o pego, estava de saída, mas no seu melhor estilo disse: fala aí meu velho, vamos conversar um pouco, depois se precisar nos falamos mais outro dia.” Esse um pouco foram 55 minutos. Entre perguntas e respostas, ficamos rindo dos casos do passado e das besteiras - muita coisa não entrará aqui, (in)felizmente. Antes que alguém se ofenda com o que vai ler, já aviso: essa entrevista é um bate-papo dos mais informais e não deve ser levado mais sério do que isso. Quem quiser filosofar em cima, que dê um tiro no dedão do pé.
Marcelo é daqueles caras que sempre tem uma frase na ponta da língua quando provocado. Quantas vezes não ouvi dizer “sou baiano mas não sou Caetano” quando perguntavam o motivo de não tocar MPB como seus conterrâneos. Fora as tiradas de sarro em alguns clientes e um monte de autógrafos que dava para a molecada que entrava na loja e dava de cara com ele. “Você é o cara do Camisa?” perguntavam, incrédulos. Entre um sorriso e outro, Marcelo falava: “é, sou, fui e hoje estou descamisado”. Quase não ninguém entendia a piada, só os mais próximos. Desde que acabou com a banda e resolveu bater asas por conta própria, fez de tudo um pouco, mas sem largar o rock and roll, paixão desde garoto, quando descobriu Little Richard.
Para quem não sabe, o homem está vindo de quatro meses de inatividade. O motivo foi o mais trivial possível: pedra nos rins. “Já arranquei três, faltam mais três.” Extraiu com britadeira? “Quase isso meu rapaz, deixei os médicos malucos”, conta sempre rindo. Apesar de necessitar de repouso completo, fez dois shows nesse período. Só amarrando o dito para ficar quieto.
Marcelo está há muito tempo fora da “mass media”. Lançou um ao vivo pela Baratos Afins, e seu último trabalho saiu pela Indie Records. Ele também vende em seu site pessoal e após as apresentações que faz pelo país afora. O próximo será em Minas Gerais. Mas chega de enrolação e vamos com os pensamentos deste que se intitula o último de uma espécie.
Mofo: Você está com uma coletânea nova. Fale um pouco dela, por favor.
Marcelo Nova: Ela se chama Em Ponto de Bala e saiu pela Indie Records. Ela foi retirada do meu álbum anterior, que era uma caixa chamada Tijolo na Vidraça, lançada pela Som Livre. Separei canções que fiz com o Camisa, com o Raul, solo. E como material inédito, as duas últimas faixas do CD," Bomba-Relógio Ambulante" e a nova versão de "Eu Não Matei Joana D'Arc", ao vivo.
Mofo: Como você a está comercializando?
Marcelo Nova: Está disponível em qualquer loja e no meu site (www.uol.com.br/marcelonova). E quem preferir, ligue para o telefone (11) 5541-0301.
Mofo: Eu sempre lembro de você brincando quando alguém te comparava com o Caetano Veloso. O que você achou do homem quando ele tremeu todo no Oscar?
Marcelo Nova: Sei lá, eu não vejo essas coisas. Ele tremeu? Problema dele...
Mofo: Eu pergunto isso porque tanto ele como o Gilberto Gil estão em evidência. Aliás, o que espera do Gil como ministro?
Marcelo Nova: Nada. Eu odeio política, não tenho nada a declarar. Aliás, tenho sim: espero como qualquer brasileiro que o Brasil caminhe em frente. Eu penso o seguinte: eu vou ser enterrado aqui, não em Paris, ao lado de Jim Morrison, Baudelaire. Não tenho ilusão em relação à política. Ninguém fala em Ministro da Cultura, falam em Gilberto Gil.
Mofo: Eu fiz uma entrevista com o Roger e ele me disse que o brasileiro é muito conformado, que prefere culpar alguém do que tentar resolver seus problemas...
Marcelo Nova: Mas é isso mesmo! Veja o exemplo dessa guerra. Tá todo mundo malhando o Bush. É claro que ele está errado em promover essa loucura, mas responsabilizá-lo por todos os atuais problemas do mundo é besteira. O Bush é a bola da vez...(risos)
Mofo: Você tem saudades dos tempos do Camisa? Já pensou em voltar com o grupo?
Marcelo Nova: Velho, não tenho. O Camisa foi uma banda que montei quando garoto e não tenho intenção de voltar. Quando você fica adulto não quer ficar atrelado aos brinquedos. Isso não significa que de vez em quando eu queira brincar com meu autorama...(risos)
Mofo: Um dia eu vi em uma loja A Panela do Diabo (disco em parceria com Raul Seixas). Ele está em catálogo?
Marcelo Nova: Acho que está sim.
Mofo: Mas no catálogo de quem, no seu ou no do Raul?
Marcelo Nova: Vai saber. As gravadoras relançam o que querem, mas é à revelia do artista. Às vezes vejo coletânea minhas ou do Camisa que nem sabia que existiam. Gravadora é uma coisa muito unilateral. É uma sociedade onde você é obrigado a acreditar na palavra do parceiro.
Mofo: Você tem idéia de quanto o Camisa vendeu?
Marcelo Nova: Não, porque quem controla isso é a gravadora. Eles falam um número e você não tem como contestar.
Mofo: Como você faz dinheiro com álbuns independentes?
Marcelo Nova: O problema de ser independente é a distribuição. Você tem pequenas alternativas, mas é difícil fazer um disco tocar na rádio. E quem não faz parte da indústria está fora. O Grampeado em Público (disco ao vivo em dois volumes lançado pela Baratos Afins) eu fiz um pouco de televisão, rádio, mas tinha que vender nos shows, porque os fãs me escreviam pedindo, já que não achavam. Deve ter vendido umas 5, 6 mil cópias, o que é um bom número, pois não tinha como vender mais dessa maneira.
Mofo: E como você lida com os e-mails?
Marcelo Nova: Não lido, eu tenho alergia...risos.. Falando sério, eu tenho um cara bacana chamado Ari Mendes que é tarado por computador, internet. Ele geralmente responde minhas perguntas porque sabe o que pode escrever, mas às vezes me consulta quando aparece uma diferente.
Mofo: E o site é muito visitado?
Marcelo Nova: Muito. O Ari já cadastrou mais de duas mil pessoas e fica correspondendo com elas. O homem dorme em cima do teclado se deixar.
Mofo: Você recebe muita demo?
Marcelo Nova: Recebia quando trabalhava na Secretaria de Cultura. Hoje quase não recebo.
Mofo: Quem está tocando com você hoje em dia?
Marcelo Nova: É a mesma turma há quatro anos: Lu Stopa no baixo, Márcio Guedes na guitarra, Dênis na bateria e ocasionalmente, Johnny Boy.
Mofo: Em que categoria do rock brasileiro você se encaixa hoje em dia?
Marcelo Nova: Em nenhuma. A minha tribo é dos moicanos. E eu sou o último e me relaciono bem com minha solidão.
Mofo: Seus shows vivem lotados, não é?
Marcelo Nova: Algumas vezes sim e outras não Muitas vezes meu shows não têm muito público porque não faço Faustão. O que acontece é que os artistas não podem falar isso, é vergonhoso. Eu não tenho essa frescura, toco sempre com a mesma postura. As pessoas precisam entender que para um show vender bem, não depende só de mim, mas também da divulgação, de vários outros fatores.
Mofo: Como vê a atual geração do rock nacional?
Marcelo Nova: Sabe o que mais quero? Eu torço para aparecer algum moleque que dê um chute no saco do Gugu Liberato, mas só aparece garoto comportadinho, que de rebelde só tem a cor do cabelo ou um monte de piercings. Muitos deles devem apanhar ainda na palmatória dos professores. Eu não me interesso pelo novo rock nacional e mundial.
Mofo: O que gosta de ouvir?
Marcelo Nova: Só cara mais velho do que eu... Dylan, Patti Smith, Stones, Byrds, Lou Reed, Leonard Cohen...
Mofo: O que achou do último disco de Dylan, Love and Theft?
Marcelo Nova: Love and Theft é um dos melhores discos da carreira dele. Ele surpreende ainda e não é fácil, porque já são 40 anos de carreira. Time Out of Mind (álbum anterior, de 1997) contemplava a velhice, a morte, é sombrio nas palavras, embora em nenhum momento perdesse o vigor. Esse é quase autobiográfico. Ele descreve como as pequenas coisas influem no geral. É sutil, mistura sarcasmo, inteligência e é uma tentativa de superação. Ninguém chega perto dele. Ele está há 1 milhão de quilômetros de qualquer mortal, é de outro planeta. Dylan nasceu gênio. Um garoto que aos 23 anos escreveu “Mr. Tambourine Man” sem ter tido tempo para viver o suficiente para escrever essa letra só pode ser alguém especial. Nós, os normais, só conseguimos fazer algo parecido com o tempo, depois que amadurecemos, burilamos nosso ofício. Por mais que sejamos bem sucedido nossa busca, a faísca de nossa obstinação está distante do incêndio da genialidade. É DNA.
Mofo: Como foi crescer nos anos 60?
Marcelo Nova: Maravilhoso. Naquela época tinha Byrds, Beatles e Rolling Stones, cada um com sua sonoridade. Três bandas de jovens cabeludos, mas com uma forte característica impressa. Hoje em dia, todos querem imitar o Pearl Jam, porque não importa mais a originalidade e sim o que o mercado quer.
Mofo: E aquele seu projeto em fazer um disco em parceria com Eric Burdon?
Marcelo Nova: O disco nunca foi conversado seriamente. Ele acabou de casar com uma garota grega de 25 anos. Conversei com ele há 15 dias, mas nunca falamos disso, porque depende dele, afinal é o Eric que está negociando, ele é a lenda. Eu continuo esperando como um fã.
Mofo: Você afirma que ninguém chega perto de Dylan nas letras. Mas nunca escondeu seu fascínio por Hendrix. Pode-se afirmar que ele é o Dylan da guitarra?
Marcelo Nova: Sim. Hendrix usava a sonoridade da guitarra, está muito próximo de Dylan. Um recriou o universo musical e a guitarra divide-se entre antes e depois de Jimi. Com ele acabou a ingenuidade.
Mofo: Há muito tempo não surge uma grande banda. Talvez a última tenha sido o Nirvana, mas eu acho que se eles tivessem aparecido no meio do movimento punk seriam uma boa banda, mas não mais do que isso...
Marcelo Nova: Velho, concordo com você inteiramente. O Nirvana é uma das bandas mais superestimadas que já vi, uma coisa de louco. É que nem os Beach Boys. Os americanos adoram dizer que o Brian Wilson influenciou os Beatles. Dá um tempo! O Brian não serve nem para amarrar os sapatos deles! É o tipo de distorção que não dá mais para mudar.
Mofo: E a banda da viúva dele, o Hole?
Marcelo Nova: Eu só digo uma coisa: nunca uma banda teve um nome tão perfeito sexualmente falando....risos (Hole em inglês significa buraco).
Mofo: Vai sair algo novo esse ano?
Marcelo Nova: Já tenho um disco pronto e quero lançar esse ano, mas não sei como e quando. Será com músicas inéditas, o que não faço há anos. Como fiz 50 anos está na hora de seguir em frente e parar de olhar meu umbigo.
Mofo: Qual seu disco solo favorito? E o do Camisa?
Marcelo Nova: Meus discos solos são tão distintos e não sei qual escolher. Ninguém sabe, mas eu fiz acústico antes disso virar moda. Já o Camisa era uma banda com estilo, uma unidade, era “bota prá foder” mesmo. Eu gosto muito do Viva!
Mofo: Para encerrar, mande uma mensagem para seus fãs...
Marcelo Nova: Ih, cara uma mensagem? Sei lá. Você quer uma mesmo? (pensativo...) Deixa ver. Ah, já sei! Molecada, o Big Brother não é tão BIG e o Little Richard não é tão Little!
E não esqueçam: para quem quiser conversar com Marcelo ou mandar um e-mail (o Ari jura responder todos com a bênção do homem), entre no site www.uol.com.br/marcelonova. Até mais!
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OPA MOFO! BOA!!!!
Muito beleza esta entrevista informal, como se Marceleza fosse formal...rsrsrsrsrrsrs
Parabéns brother!!!Abraço Beleza!!!